segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

COESA DIVULGA - LEI Nº 13.186/2015 - Institui a Política de Educação para o Consumo Sustentável


LEI Nº 13.186, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2015

Institui a Política de Educação para o Consumo Sustentável.

     A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
     Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

     Art. 1º Fica instituída a Política de Educação para o Consumo Sustentável, com o objetivo de estimular a adoção de práticas de consumo e de técnicas de produção ecologicamente sustentáveis.

     Parágrafo único. Entende-se por consumo sustentável o uso dos recursos naturais de forma a proporcionar qualidade de vida para a geração presente sem comprometer as necessidades das gerações futuras.

     Art. 2º São objetivos da Política de Educação para o Consumo Sustentável:

     I - incentivar mudanças de atitude dos consumidores na escolha de produtos que sejam produzidos com base em processos ecologicamente sustentáveis;

     II - estimular a redução do consumo de água, energia e de outros recursos naturais, renováveis e não renováveis, no âmbito residencial e das atividades de produção, de comércio e de serviços;

     III - promover a redução do acúmulo de resíduos sólidos, pelo retorno pós-consumo de embalagens, pilhas, baterias, pneus, lâmpadas e outros produtos considerados perigosos ou de difícil decomposição;

     IV - estimular a reutilização e a reciclagem dos produtos e embalagens;

     V - estimular as empresas a incorporarem as dimensões social, cultural e ambiental no processo de produção e gestão;

     VI - promover ampla divulgação do ciclo de vida dos produtos, de técnicas adequadas de manejo dos recursos naturais e de produção e gestão empresarial;

     VII - fomentar o uso de recursos naturais com base em técnicas e formas de manejo ecologicamente sustentáveis;

     VIII - zelar pelo direito à informação e pelo fomento à rotulagem ambiental;

     IX - incentivar a certificação ambiental.

     Art. 3º Para atender aos objetivos da Política a que se refere o art. 1º, incumbe ao poder público, em âmbito federal, estadual e municipal:

     I - promover campanhas em prol do consumo sustentável, em espaço nobre dos meios de comunicação de massa;

     II - capacitar os profissionais da área de educação para inclusão do consumo sustentável nos programas de educação ambiental do ensino médio e fundamental.

     Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
     Brasília, 11 de novembro de 2015; 194º da Independência e 127º da República.
DILMA ROUSSEFF
Aloizio Mercadante

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União - Seção 1 de 12/11/2015

Publicação:
·         Diário Oficial da União - Seção 1 - 12/11/2015, Página 1 (Publicação Original)

COESA DIVULGA - Moção de apoio à luta dos povos indígenas e quilombolas pela efetivação de seus direitos constitucionais à terra e à dignidade


Nós, advogadas e advogados populares organizados na Rede Nacional de Advogadas e Advogados populares – RENAP, reunidos em Luziânia GO entre os dias 25 a 29 de novembro de 2015 para celebrar os 20 anos de existência e resistência da Rede, manifestamos nosso compromisso com a luta dos povos indígenas e das populações quilombolas no Brasil pela efetivação de seus direitos constitucionais.
Entendemos, apoiamos e exigimos a realização urgente das demarcações de terras indígenas, obrigação do Estado brasileiro inscrita na Constituição Federal, para que os povos indígenas possam exercitar o Bem Viver e reproduzir seus usos, costumes e tradições. Da mesma forma, exigimos que os territórios das comunidades remanescentes de quilombo sejam demarcadas e respeitadas.
Repudiamos a iniciativa da bancada ruralista no Legislativo federal em criar a CPI da Funai, bem como repudiamos a já instalada CPI do Cimi – Conselho Indigenista Missionário, pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul cujo objetivo comum é desqualificar a realização da demarcação das terras indígenas, criminalizar indígenas e seus apoiadores – como vem ocorrendo com advogados populares indigenistas – no intuito de inviabilizar o exercício dos direitos originários pelos povos indígenas.
Repudiamos a iniciativa das mesmas forças ruralistas em criar a CPI do Incra, que tem o intuito de obstar o trabalho do órgão na realização da reforma agrária, efetivando por meio dela a dignidade das famílias trabalhadoras rurais em todo o país.
Repudiamos a PEC 215/00 que pretende transferir a demarcação das terras indígenas do âmbito do Executivo para o Congresso nacional, desarquivada na atual legislatura, cuja tramitação vem sendo acompanhada diariamente pelos povos indígenas e seus apoiadores e que pretende retirar o direito aos territórios indígenas quilombolas em detrimento dos interesses do agronegócio, de madeireiras, de empreiteiras que financiam políticos e permite a exploração hidrelétrica etc.
Repudiamos a pressão de setores conservadores sobre o Supremo Tribunal Federal para a adoção do conceito inconstitucional do chamado “marco temporal” que desconsidera o histórico esbulho perpetrado contra as terras indígenas e o animus de pertencimento e permanência das comunidades indígenas. Fruto dessa espúria pressão, a Segunda Turma do STF vem anulando Portarias e Decretos homologatórios de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.
Repudiamos, ainda, a inércia da Funai em finalizar os processos administrativos de demarcação das terras indígenas, mantendo comunidades em beira de estrada expostas à violência quotidiana de seus detratores e privando-as de uma vida digna. Repudiamos também o subterfúgio utilizado pelo Ministério da Justiça em “dialogar” ou “negociar” direitos indígenas sobre suas terras, que são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
Luziânia, 29 de novembro de 2015.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

CLIPPING COESA: Mobilização local pede criação de Unidade de Conservação na Serra da Gibóia

Foto: Dinéia Pires
Há pelo menos duas décadas a sociedade local e ambientalistas baianos pedem a proteção da Serra da Jiboia, último grande remanescente florestal do Recôncavo Sul Baiano. Agora as preocupações se materializaram em uma proposta de mosaico de Unidades de Conservação para proteger a enorme biodiversidade e potencializar o desenvolvimento sustentável da região.
O Projeto Serra da Jiboia, conduzido pelo Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, realizou estudos que comprovaram a riqueza biológica da área.  Baseado neles, propõe a criação de um Parque para proteger o maciço florestal mais conservado e uma Área de Proteção Ambiental (APA) para potencializar o uso sustentável da terra em seu entorno, formando assim um mosaico de UCs, junto com a Reserva Particular de Proteção Ambiental Guarirú, unidade de conservação já existente na área.
Os resultados do projeto e a proposta do mosaico de Unidades de Conservação foram apresentados ao conselho gestor do projeto no último dia 24. O conselho é formado por representantes da sociedade civil e poder público dos cinco municípios e tem disseminado a necessidade e vontade local em proteger a Serra.
Isabelle Blengini, coordenadora do Projeto Serra da Jiboia, fala da importância do envolvimento das comunidades com a proposta, “acho que as pessoas receberam bem a proposta da criação do mosaico. Isso tem sido discutido no Conselho Gestor, a própria categoria de parque já havia sido sugerida nesse espaço antes da conclusão dos estudos. Representantes dos cinco municípios estão sensibilizados para a importância dessas UCs na região. Embora essa mobilização não seja fácil de atingir, facilita a criação porque as pessoas participaram do processo, discutiram as categorias, se empenharam em tirar as dúvidas. E a partir de agora eles vão ser multiplicadores dessa proposta”, avalia ela.
A proposta será entregue às autoridades competentes em nível municipal, estadual e federal para que sejam realizadas as consultas públicas, que vão incorporar novos olhares das comunidades envolvidas.
Para Renato Cunha, coordenador executivo do Gambá, a ação do poder público precisa ser rápida: “Esperamos que os órgãos se sensibilizem sobre a importância de proteger a Serra através da criação dessas Unidades de Conservação, analisem os dados, que são bem consistentes, para viabilizar essa estratégia de conservação que estamos propondo há cerca de 20 anos. Isso tem que ser organizado de forma rápida para realizar as consultas públicas enquanto ainda temos a sociedade civil local mobilizada pela ação do projeto”.
mapa poligonal
A proposta de mosaico de UCs, com o Parque na parte interna e APA no entorno

Serra da Jiboia: oásis de biodiversidade no Recôncavo Baiano
A Serra da Jiboia, no Recôncavo Sul Baiano, abrange cinco municípios: Elísio Medrado, Castro Alves, Santa Teresinha, Varzedo e São Miguel das Matas. Apesar da enorme riqueza de fauna e flora só possui uma Unidade de Conservação, a RPPN Guarirú, de caráter particular e com apenas 44 hectares, enquanto a Serra toda possui mais de 22 mil hectares.
Alesssandra Caiafa, professora da UFRB, coordenou a equipe multidisciplinar de pesquisadores dos estudos bióticos e abióticos e destaca a riqueza encontrada na área: “Durante esses estudos foram várias as espécies novas a serem descritas para a ciência e várias quebras de endemismo. Existem grupos de vertebrados, grupos de invertebrados e de vegetais que foram citados pela primeira vez no estado. E alguns pela primeira vez para o bioma. Ou seja, é um ambiente muito peculiar. Que deve ser efetivamente preservado a todo custo. É importante destacar também toda a geomorfologia da Serra e a fragilidade do seu solo. Isso indica que a Serra não se presta pra cultivo e, sim, para conservação”, defende Alessandra.
A necessidade de proteção da Serra é fácil de ser notada. Nos últimos anos a Mata Atlântica vem sendo desmatada e substituída por pastagens. A derrubada das matas ciliares vem diminuindo sensivelmente a quantidade de água. Os moradores também relatam o uso abusivo de agrotóxicos que contaminam água e solo, já a fauna local é ameaçada pela caça e o tráfico de animais silvestres. Essas ameaças foram identificadas no levantamento socioeconômico da região, que identificou também a necessidade urgente de fornecer assistência técnica aos produtores rurais para que adotem práticas mais sustentáveis.
Projeto Serra da Jiboia
O Projeto Serra da Jiboia, financiado pelo fundo TFCA, através do Funbio, realizou estudos bióticos, abióticos e socioeconômicos na Serra da Jiboia e em seu entorno para subsidiar as discussões sobre a possível criação de uma ou mais unidades de conservação.
O projeto iniciou em junho de 2014 e foi executado pelo Gambá em parceria com a  Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Seu principal resultado é a consolidação de uma proposta de mosaico de Unidades de Conservação na Serra da Jiboia e a mobilização dos atores sociais do Recôncavo Sul para fortalecer o apoio às UCs.

CLIPPING COESA: Consulta pública do PNA tem prazo prorrogado

Cidadãos e instituições têm até o próximo dia 7 para contribuir com o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas

Por: Cristina Ávila – Edição: Alethea Muniz
A consulta pública do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNA) foi prorrogada até o dia 7 de dezembro. O anúncio foi feito na manhã desta quarta-feira (18/11), durante a oficina regional realizada, em Brasília, para tirar dúvidas a respeito da minuta, que está recebendo contribuições em encontros nos estados e também pela internet.
“Prorrogamos o prazo da consulta pública por mais 15 dias por demanda da sociedade. Consideramos que a ampliação do período para recebimento de sugestões é importante para favorecer o diálogo com todos os setores sociais”, explica o diretor substituto do Departamento de Licenciamento e Avaliação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Pedro Christ.
A consulta pública do PNA encerraria neste domingo (22/11), com recebimento de propostas pelo hotsite que está na página do Ministério do Meio Ambiente na internet, e com a realização de oficinas presenciais nas cinco regiões do país, nas cidades do Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza, Brasília e em Manaus, essa ainda a ser realizada amanhã (19/11).
A minuta traz propostas em escala nacional e diretrizes de adaptação para 11 temas: agricultura, biodiversidade, ecossistemas, cidades, gestão de riscos a desastres, indústria, mineração, populações vulneráveis, recursos hídricos, segurança alimentar e infraestrutura, que inclui os setores de energia, mobilidade urbana, saúde e zonas costeiras.
PONTOS PRINCIPAIS
Nesta quarta-feira, em Brasília, foram abordadas questões relacionadas aos 11 itens da pauta, em plenária e em grupos divididos por interesses específicos no período da tarde. Entre os principais assuntos, a coordenadora do Grupo de Trabalho Mudanças Climáticas e Pobreza, do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Gleyse Peiter, falou sobre vulnerabilidade e riscos que atingem populações pobres e mulheres.
“A adaptação às mudanças climáticas começa com redução da vulnerabilidade, que atinge principalmente mulheres e pobres”, afirma Gleyse Peiter. Segundo ela, as diversas pesquisas feitas para subsidiar o PNA mostram que “as mudanças climáticas acirram as desigualdades”.
A coordenadora do GT ressalta que é necessário pensar nas pessoas quando se tomarem decisões para adaptação às mudanças climáticas, buscando soluções que mudem a situação de vulnerabilidade. “Em eventos extremos, como seca ou enchentes, são as mulheres que mais sofrem. São elas as responsáveis pela proteção de idosos e também ficam mais suscetíveis à violência sexual”, exemplifica.
A coordenadora geral de Mudanças Globais do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Lidiane Melo, chamou atenção para os trabalhos científicos do MCTI que apontam cenários futuros de clima e cruzam dados com áreas vulneráveis.
“Identificamos regiões e cenários mais vulneráveis no Brasil, como aumento de temperatura na Amazônia, menos chuvas no Nordeste e enchentes no Sul, e uma das expectativas que temos com esse tipo de consulta pública é receber demandas da sociedade para ampliar conhecimento e direcionar investimentos públicos de modo mais qualificado e preciso”, afirma a coordenadora.
PREFEITURAS
Durante a abertura da oficina em Brasília, o secretário de Mudanças Climáticas do MMA, Carlos Klink, ressaltou que o PNA representa o primeiro esforço nacional para observação das vulnerabilidades e riscos das mudanças climáticas. E que a consulta pública é estratégica para “encontrar gargalos”, ou seja, aprimorar o texto da minuta apresentada pelo governo federal à sociedade.
Carlos Klink considera que os setores sociais estão apresentando contribuições significativas para a construção do PNA. Ele citou a sua participação, ainda nesta quarta-feira, no Fórum Vida Urbana, realizado pela Frente Nacional de Prefeitos, em Belo Horizonte, com abordagem em Reflexões sobre o Futuro das Cidades.
O secretário do MMA foi à capital mineira contribuir com os prefeitos em seus debates sobre a Conferência das Partes (COP 21), da Convenção sobre Mudanças do Clima, da Organização das Nações Unidas (ONU), que se realizará em dezembro, em Paris.
“Os prefeitos estão fortemente engajados. Observamos uma postura muito positiva. Eles estão interessados em temas como mobilidade urbana, lixões, vulnerabilidade, e entendem que não estamos falando em fim do mundo, mas que existem caminhos a serem seguidos, que existem soluções”, acentuou Carlos Klink.

SERVIÇO
Para mais informações, contatar técnicos do MMA pelo telefone (61) 2028-2621. Ou por email, em: consultapublica.pna@mma.gov.br

Assessoria de Comunicação Social (Ascom/MMA): (61)2028-1165

CLIPPING COESA: A Bahia do Brasil Quilombola

Território de Baixão Velho Foto: Mauricio Reis
Por Diosmar Filho[1]
Se analisarmos o Brasil pela totalidade da população e compará-lo com outros Estados Nacionais, somos contagiados pelos avanços em direitos ocorridos na chegada dos anos dois mil. Porém, a sociedade brasileira ainda consegue nesse século conviver com as estruturas mais perversas do processo social e histórico da formação do Estado.
Existe aqui uma sociedade amante dos privilégios, da submissão, do autoritarismo e tudo mais possível para a manutenção do patrimonialismo hereditário.
O que faz desse diálogo uma Encruzilhada ao Humanismo[2], pautado por textos que abordaram osconsensos e concessões para a Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2025) da ONU[3] e a efetivação do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2015 a 2025.  Ambos refletem as condições postas pelo Estado aos Movimentos Negro na realização de concessões e omissão do consenso, portanto, ficam ignorados os acordos realizados com os movimentos em escala nacional, estadual e municipal.
O ano de 2015 dá sinais de encerramento e os consensos para a Agenda Afirmativa em atenção à totalidade da população brasileira se encontram literalmente ameaçados. Ou seja, não é centralidade no Estado e na sociedade mudanças de formas que alterem estruturas e substitua os direitos das minorias pelo alcance da maioria. Se o Brasil é um Estado demograficamente negro, cabe a este prover o desenvolvimento integral dos 52% de mulheres e homens negros, conforme determina a Constituição Federal de 1988.
Em atenção à maioria, o PNE é a principal agenda nacional, que estabelece objetivos e metas para a República no prazo de dez anos. Um desafio da sociedade – uma possibilidade de efetivação da agenda progressista e se sonhar com algo ainda não alcançado em 500 anos.
A efetivação do plano nacional comunga com a agenda da Década dos Afrodescendentes, em relação ao seu tempo de dez anos para a execução, e o desafio será efetivar ações no Estado marcado por índices elevados de desenvolvimento regional desigual. Os compromissos impactaram em escalas desiguais com percepções diferentes e as unidades federativas são responsáveis pela consagração ou não desse desafio nacional. Estamos falando de 26 Estados, 01 Distrito Federal e 5.570 municípios[4], que marcam a complexidade das diferenças em territórios e lugares no alcance da maioria populacional negra.
Segundo Milton Santos (2012) termina sendo difícil alcançar a noção de totalidade sem rompimento com os princípios da universalidade, mantenedor dos conceitos escravos da metodologia dogmática.
A noção de totalidade, tomada em si, sempre foi possível de apresentar-se como abstrata e confusa, a menos que a noção concomitante de sua divisão estivesse também presente. A perversão da ideia de totalidade, se não adaptarmos nossos aparelhos analítico. (SANTOS, 2012, p. 212-213)[5]

Importa no processo as posições adotadas pelos governos na análise dos compromissos com a população negra nesta década, aí se dar a encruzilhada humana para o século XXI. O Brasil tem a oportunidade de realizar ações públicas e privadas que no mínimo repare os danos morais e éticos do maior crime humanitário dos últimos mil anos, o tráfico e a escravidão dos povos africanos. Aqui aportaram só oficialmente quatro milhões de povos africanos traficados e colocados em regime de escravidão.
E o Estado brasileiro precisa honrar os compromissos com a Década dos Afrodescendentes e tornar o PNE um instrumento de sua realização, como bem explica a socióloga e militante do Movimento Negro e de Mulheres Negras, a ex-ministra Luiza Bairros.
Um dos maiores desafios que se colocam para a inclusão social no Brasil, hoje, tem a ver com a capacidade de as políticas públicas levarem em conta a diversidade da sociedade brasileira. Indicadores sociais calculados por instituições governamentais e acadêmicos de pesquisas demostram de forma inquestionável o que o momento negro vem denunciando desde o final dos anos 70: mulheres e homens negros morrem mais e mais cedo; têm diferenciais de escolaridade em relação aos brancos – que permanecem inalterados, apesar da ampliação da escolarização em todos os grupos sociais. (BAIRROS, 2006, p. 139)[6]
 
Encontros de Quilombos 2014
A construção dos Movimentos Negros e de Mulheres Negras possibilitou condições para que em 2001, o Brasil assumisse compromisso com a Declaração de Durban[7]. Passados dois anos veio o Decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003, base legal para o Programa Brasil Quilombola. Uma estratégia interministerial e transversal de política pública em escala nacional para a população negra quilombola, com a finalidade de reconhecer o sujeito, as comunidades e realizar a titulação dos territórios.
O Decreto 4.887/2003 revela a espacialização da população negra quilombola no território nacional. Segundo Clóvis Moura[8], por meio da Quilombagem os sujeitos fazem valer sua condição política étnica-racial e o Quilombo, em sua materialidade, assume nesse século seu caráter geopolítico no acesso ao Estado e ao seu maior patrimônio, à terra.
A implementação do PNE e da Década ocorrem em escalas e espaços diferentes e é fundamental conhecer o que fazem os governos. Não pode ser ignorada as competências dos Estados, conforme as Constituições esses têm responsabilidades para e com a população negra quilombola. Seguindo o Art. 68 dos Atos das Disposições Transitórias Constituições (ADTC) na Constituição Federal, o Estado da Bahia sancionou o Art. 51 dos Atos das Disposições Constitucionais (ADC) na Constituição Estadual de 1989.
Pelo Art. 51 (ADC) cabe ao Estado realizar a titulação de todas as comunidades que se reconheçam como quilombola em até um ano, a partir da promulgação da Constituição em terras devolutas estadual.
O texto constitucional é o sonho dos Movimentos Negro e de Mulheres Negras, mas a ação pública dar-se pelo parâmetro estruturado no racismo, uma ação política determinista que vigora no cotidiano institucional público e privado do Estado brasileiro.
Tratando o racismo como política estrutural se entende a espera de vinte anos para se olhar os princípios Constitucionais de 1989. O governo, por meio do Decreto Estadual 11.850 de 23 de novembro de 2009, institucionalizou a Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombo. E o Decreto 11.850/2009 não passou de um grande fracasso institucional, isso porque seu principal objetivo foi a gestão intersetorial das políticas, programas e projetos, mas esses não contaram com a ética dos gestores públicos do governo progressista do ex-governador Jacques Wagner.
Os gestores das políticas públicas de regularização fundiária, educação, saúde, saneamento, habitação, abastecimento e inclusão sócio-produtiva, pouco se sentiram atribuídos a realizar compromissos acordados em trabalhos intersetorial sob a responsabilidade da Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI).
E o reflexo é notório, só se avalia política pública aos quilombolas na escala estadual a partir do Decreto Presidencial 4.887/2003 – ação federal. A realidade não é pior devido a ação direta da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (CONAQ) que atuando junto à União, possibilitou a luta quilombola na Bahia, transformando a unidade federativa com maior número de comunidades com Certidão de Auto-Reconhecimento emitida pela Fundação Cultural Palmares (FCP).
Em 2012, haviam 421 comunidades certificadas e só seis territórios com o título da terra. O não acesso à terra é o reflexo da formação do Estado brasileiro e a condição social da população negra é base para qualquer análise sobre o ser quilombola. E é preciso reposicionar o papel do sujeito quilombola, a partir da geopolítica, afastando os conceitos que pede a tutela do Estado e da sociedade, produzidos na academia e apropriados pelos governos (SANTANA FILHO, 2015). Entendendo que:
Os Territórios Quilombola são a constituição da população negra na terra e no território, que se reconhece pela sua própria trajetória social e política, dotados de relações comunitárias específicas e diferenciadas pela ancestralidade que os tornaram resistentes à exclusão social e histórica, moderna e contemporânea” (SANTANA FILHO, 2015, p. 465)[9]
Encontro de Quilombos, 2014
Nesse ano a política de espacialização das comunidades e territórios quilombolas é uma realidade sob ameaça principalmente pelo nível de diálogo dos Movimentos Negros, destacando o Conselho Estadual das Comunidades e Associações Quilombolas da Bahia (CEAQ-Ba) e a CONAQ, com os governos (estadual e federal) que tem imposto a esses as concessões como meio e fim da política pública, desrespeitando integralmente os consensos acordados com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
As concessões produzem realidades como a da Bahia que conta com o maior número de comunidades com Certidão da FCP, são 614, segundo o Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SISPPIR)[10] do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH). Se proporcionalmente comparados os números da Bahia com os do Maranhão, a contradição e a omissão são explicita.
Em onze anos foram certificadas no Maranhão pela FCP – 477 comunidades quilombolas e titulados 43 territórios pelos poderes estadual e federal, representando 17,6%, em escala nacional. Quanto ao Estado da Bahia, das 614 comunidades certificadas, 20 alcançaram a titulação (estadual e federal), em escala nacional representa 8,2%, conforme o gráfico abaixo.
Terras Tituladas 2014
Fonte: MMIRDH, 2015
A situação das comunidades quilombola não mudará sem o novo olhar na demografia da Bahia, segundo o Censo Demográfico 2010[11] são 14.016.934 milhões de habitantes e 76,3 % se autodeclaram negras[12].
Mulheres e homens negros são maioria entre os 3.003.328 milhões de beneficiários no Cadastro Único dos Projetos Sociais do Governo Federal (CadÚnico)[13], ou seja, 21% da população estadual se encontra em situação de pobreza e extrema pobreza segunda a renda per capita das famílias.
No mês de setembro o Programa Bolsa Família (PBF) beneficiou 1.800.580 famílias, cobrindo 108,5% da estimativa de famílias pobres na Bahia. Os benefícios têm valor médio de R$ 165,01 e o valor total transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas alcançou R$ 297.106.694,00 milhões, pelo Relatório de Informações Sociais do MDS.
Conforme os dados do bimestre, em junho foram beneficiadas 84,2% das famílias, com crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, são 1.315.967 estudantes que recebem acompanhamento, que em relação ao público no perfil equivale a 1.563.064 pessoas. Quanto aos jovens entre 16 e 17 anos, o percentual foi de 77,9%, resultando em 291.149 acompanhados de um total de 373.788 pessoas.
O número de famílias quilombolas beneficiarias são 37.764 mil – pensando numa média de cinco pessoas por familiar, somam 188.820 mil quilombolas vivendo no território estadual.
Quanto ao acesso à educação pelas famílias quilombolas, segundo o Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa (INEP) [14], em 2013, na Bahia são 474 estabelecimentos de ensino que atendem as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos do fundamental, no médio e superior. E estavam matriculados 67 mil estudantes no ano.
Portanto, a diferença é de conhecimento público e tem necessidades especificas, em 2014, o governo estadual com onze anos de atraso aderiu ao Programa Brasil Quilombola por meio de Cooperação Técnica com a União para o planejamento integrado e sistêmico – fortalecendo a responsabilidade federal, estadual e ações a serem desenvolvidas com os 417 municípios.
A cooperação foi assinada em 08 de agosto, porém, a publicação ocorreu no Diário Oficial da União em 10 de setembro de 2014. Os compromissos dos governos estão organizados em quatros eixos temáticos do PBQ: Acesso à Terra; Infraestrutura e Qualidade de Vida; Desenvolvimento Local e Inclusão Sócio-Produtiva; e Direitos e Cidadania.
No mesmo ano a SEPROMI entregou o Plano de Ação estadual a ser pactuado com as políticas federais, como coordenadora do PBQ-Bahia (2015-2019) – pois, o plano tem como perspectiva alcançar 200 mil famílias quilombolas e prever investimento estadual na ordem de R$ 132.561.944,00 milhões.
O PBQ é uma das maiores estratégias política institucional elaboradas pelo Estado brasileiro, em atenção aos quilombolas, sendo que na Bahia é reforçado pela Lei 13.182 de 06 de junho de 2014 – o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa. Na Lei o principal instrumento é o Fundo Estadual de Combate à Pobreza, que regulamentado no Art. 88 – parágrafo primeiro destina 10% do orçamento anual para as políticas antirracistas, financiando os programas e projetos intersetorial e transversais de desenvolvimento da população negra.
Mas, o mês de novembro chegou e as mobilizações são para as celebrações à população negra no Mês da Consciência Negra, mais um ato público de reconhecimento. Na Bahia se celebra a assinatura da Década Internacional dos Afrodescendentes e não se fala do PNE e do PBQ, que juntos são realidade e compromisso com mudança nas estruturas racistas.
O PNE segue cuidado pela burocracia administrativa, longe do olhar do controle social sobre os princípios, objetivos e metas a serem aprovadas em negociatas políticas, assim, o governo segue com seu Pacto pela Educação descolado da Década que apresenta como compromisso com a população negra.
Bahia do Brasil Quilombola segue provedora das concessões no desenvolvimento da população negra. Até o momento não se tem notícia de finalização do PBQ pelas atuais gestões estadual e federal, passados um ano de assinado e já alcançando o mesmo tempo de elaborado o plano estadual. Os órgãos de controle e fiscalização – Ministérios Públicos (federal e estadual), não dão a devida atenção aos processos e contribuem com a omissão de governos e governantes.
Por fim, cabe aos Movimentos Negros acompanhar a Marcha das Mulheres – Contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, como ação pública e política contemporânea que expressa em forma e estrutura seu repudio às concessões, afirmando o caráter racista e desigual do Estado Nacional. Se as mulheres e homens negros não alcançam o direito mínimo de consenso na agenda pública do Estado, esse está distante da ideia de Nação.

[1] Geógrafo, professor e pesquisador. Militante dos Movimentos Negro. Membro do Grupo de Pesquisa Historicidade do Estado e do Direito (GPHED – UFBA/CNPq). E-mail: ptfilho@gmail.com
[2] http://correionago.com.br/portal/encruzilhadas-ao-humanismo/
[3] Organização das Nações Unidas.
[4] Segundo a publicação Pesquisa de Informações Básicas – Perfil dos Municípios Brasileiros 2013. Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), 2014. p. 18.
[5] SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. – 6 ed., 2. reimpr. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. 285p.
[6] BAIRROS, Luiza Helena. Indicadores Sociais e Políticas Públicas. In.: 25 anos 1980-2005: movimento negro no Brasil = 25 years of the black movement in Brasil / Concepção, organização e fotografia Januário Garcia. – 1 ed. – Brasília, DF: Fundação Cultural Palmares, 2006. p. 139-140.
[7]  III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada na África do Sul.
[8] MOURA, C. Formas de resistência do negro escravizado e do afrodescendente. In: MUNANGA, K. (org.).O negro na sociedade brasileira: resistência, participação, contribuição. História do negro no Brasil. Brasília: [s.n.], 2004, p.9-61. v.1.
[9] SANTANA FILHO. Diosmar M. A Territorialidade Quilombola no Território Brasileiro. In.: II Congresso Internacional SETED-ANTE – Seminário “Estado, Território e Desenvolvimento”. O GOVERNO DOS TERRITÓRIOS. Grupo de investigación Análise Territorial (ANTE GI-1871) Universidade de Santigo de Compostela – USC, 2015. p. 463-475.
[10] Disponível em: http://monitoramento.seppir.gov.br/paineis/pbq/index.vm?eixo=1 Acesso em 13.11.2015.
[11] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
[12] Conforme a agregação das categorias preta e parda.
[13] Conforme o Relatório de Informações Sociais do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), atualizado no mês 09/2015.
[14] Disponível em: http://monitoramento.seppir.gov.br/paineis/pbq/index.vm?eixo=1 Acesso em 13.11.2015.
Fonte: CorreioNagô

CLIPPING COESA: O desastre de Mariana/MG e a responsabilidade penal da pessoa jurídica



Resumo: O presente ensaio tem por objetivo principal analisar de forma perfunctória a tragédia registrada na histórica cidade de Mariana-MG e os aspectos gerais da responsabilidade penal e administrativa da pessoa jurídica na causação do resultado lesivo.
Palavras-chave: Tragédia, Mariana/MG, pessoa jurídica, responsabilidade penal e administrativa.

"O princípio societas delinquere non potest não é absoluto. De fato, há crimes que só podem ser praticados por pessoas físicas, como o latrocínio, a extorsão mediante sequestro, o homicídio, o estupro, o furto etc. Existem outros, porém, que são cometidos quase sempre por meio de um ente coletivo, o qual, deste modo, acaba atuando como um escudo protetor da impunidade..." ( Fernando Capez )

A mídia internacional confere destaque ao trágico e lamentável desastre ocorrido no distrito de Bento Rodrigues, pertencente ao município histórico de Mariana-MG, a 110 km distante de Belo Horizonte, seguramente, a mais violenta tragédia sofrida pelo povo marianense nos 319 anos de existência, a primeira vila, cidade e capital de Minas Gerais.  
Portanto, na tarde do dia 05 de novembro de 2015, barragens da Samarco Mineradora se romperam, provocando uma avalanche de lama resultante dos rejeitos da produção de minério de ferro, com a decorrente destruição da maioria dos imóveis do referido distrito, em face de uma enxurrada de lama que assolou a localidade.
Mortes, pessoas desaparecidas, ilhadas, centenas de pessoas desalojadas, histórias de heróis que salvaram vidas de crianças e adolescentes, histórias relatando momentos de horror e medo, esperança dizimada, graves danos ao meio ambiente à saúde pública.
Um cenário desolador, um filme de terror, carros suspensos nas paredes das casas. Soterramento de imóveis, algo de causar dor e sofrimento mesmo para quem estar distante do local.
Diante das graves consequências humanas e ambientais, quem suportarão as responsabilidades das mortes, das perdas irreparáveis e do prejuízo pelo desastre ambiental?
A Samarco Mineradora teria responsabilidade penal e administrativa? O Governo de Minas teria sido negligente nas concessões de licenças ambientais?
Há informações que um laudo técnico elaborado em 2013, a pedido do Ministério Público de Minas Gerais teria alertado sobre riscos de ruptura das barragens, sobretudo, acerca da potenciação de processos erosivos.
Nestes acontecimentos catastróficos, surgem indagações múltiplas vinculadas à responsabilidade penal e administrativa das pessoas jurídicas, responsabilidade objetiva do Estado, artigo 37, § 6º, da Constituição da República de 1988, improbidade administrativa do agente público por ofensa ao princípio da legalidade previsto no artigo 11 da Lei 8.429/92, além de outras, como questões ligadas ao desenvolvimento sustentável diante de um capitalismo selvagem e nojento.
O deslizamento de terra, que muitos denominam de mar de lama e tsunami de terra, ou ainda rompimento de barragens teria sido um fenômeno da natureza ou possui repercussão no âmbito jurídico?
Uma das mais acirradas discussões doutrinárias na Ciência Jurídica é a questão da pessoa jurídica praticar ou não crimes.
Neste campo de discussão, a doutrina pátria tem comentado acerca das correntes existentes, analisando as Teorias da Ficção e Teoria da Realidade ou da personalidade real.
Para a Teoria da Ficção criada por Savigny, aliás, de grande tradição no sistema penal, a pessoa jurídica tem existência fictícia ou irreal, não possuindo vontade própria. Faltam à pessoa jurídica, consciência, vontade e finalidade, tão importante para a configuração do fato típico.  Também faltariam outros requisitos para pessoa jurídica, como imputabilidade e potencial consciência da ilicitude, imprescindíveis para a formação da culpabilidade.
Para a Teoria da Realidade ou personalidade real, que teve como estudioso, Otto Gierke, a pessoa jurídica não deve ser entendida como um ser artificial criado pelo Estado, mas pelo contrário, um ente real, totalmente independente das pessoas que a compõem.
Acerca do assunto, aparecem três correntes, a saber:
A primeira corrente: 
Para esta corrente, pessoa jurídica não pode praticar crimes ou ser responsabilizada penalmente, consoante os seguintes fundamentos:
(a) O princípio da responsabilidade subjetiva - Neste caso, a pessoa jurídica não age com dolo ou culpa;
(b) Princípio da culpabilidade - A pessoa jurídica não tem potencial consciência da ilicitude.
(c) Princípio da responsabilidade pessoal - Assim, responsabilizar uma pessoa jurídica seria o mesmo que responsabilizar uma coletividade.
d) Princípio da pessoalidade das penas - Neste caso, a pena ultrapassaria a pessoa do condenado, ultrajando princípios fundamentais.
A segunda corrente:
Para esta corrente, pessoa jurídica pode praticar crime ambiental, na perspectiva da Lei nº 9.605/98, com os seguintes fundamentos.
(a) Estamos aqui diante de uma responsabilidade objetiva autorizada pela própria Constituição da República de 1988.
(b) A pessoa jurídica responde por seus atos, devendo fazer adaptações quanto ao juízo de culpabilidade às suas características.
(c) Neste caso, o que passaria da pessoa jurídica condenada seriam os efeitos da condenação.
A terceira corrente:
Já para esta corrente, apesar da pessoa jurídica não poder cometer crimes, seria possível responsabilizá-la, penalmente, com as seguintes condições:
(a) Neste caso, é fato a existência de um crime ambiental, praticado mediante ordens.
(b) O crime seria praticado em seu benefício.
É importante entender, neste caso, que a responsabilidade deve atender à pessoa física (autora do crime), mas também a pessoa jurídica (autora da ordem).
Trata-se do sistema da dupla imputação: a pessoa jurídica deve ser denunciada juntamente com a pessoa física, Constituição Federal, art. 3º, Lei nº 9.605/98:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Corrente prevalente: A terceira corrente.
O Superior Tribunal de Justiça - STJ entende que não se trata de uma responsabilidade objetiva nem subjetiva. A responsabilidade aqui é social.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgR no RE 628582/RS, do Ministro relator, Dias Toffoli, decidiu que é possível manter a condenação da pessoa jurídica mesmo que fique comprovado que seu representante legal não praticou o delito.
“Ainda que assim não fosse, no que concerne à norma do § 3º do art. 225 da Carta da República, não vislumbro, na espécie, qualquer violação ao dispositivo em comento, pois a responsabilização penal da pessoa jurídica independe da responsabilização da pessoa natural".
"STF- RE 628582 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL 
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Matéria criminal. Prequestionamento. Ofensa reflexa. Reapreciação de fatos e provas. Precedentes. 1. Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais que nele se alegam violados não estão devidamente prequestionados. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, a afronta aos princípios da ampla defesa e do contraditório, entre outros, configura ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal e, por isso, não abre passagem ao recurso extraordinário. 3. Não é possível, em sede de recurso extraordinário, reexaminar fatos e provas a teor do que dispõe a Súmula nº 279/STF. 4. Agravo regimental não provido"
(...) Nesses termos, extrai-se dos autos que a embargante, em razão de ter operado sem a devida licença ambiental entre o período compreendido entre 11/7/03 a 12/12/07, restou condenada como incursa no delito previsto no art. 60 da Lei nº 9.605/98, c/c o art. 29, caput, do Código Penal, à uma pena de 100 (cem) dias-multa (fls. 541 a 547). Note-se que, entre a data da cessação da permanência (art. 111, inciso III, do Código Penal) e o recebimento da denúncia – 9/3/09 (fls. 368 a 372) -, não transcorreu período superior a 2 (dois) anos (art. 114, inciso I, do Código Penal), prazo prescricional para o delito em questão, considerando a pena de multa acima aplicada. Do mesmo modo, entre 28/12/09, data da publicação da sentença penal condenatória em cartório (fl. 547 verso), e os dias atuais não se constata estar transpassado tal lapso temporal. Assim, não há falar em extinção da punibilidade da embargante por ocorrência da prescrição de pretensão punitiva estatal. Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração. Considerando a proximidade da consumação da prescrição da pretensão punitiva estatal, a saber, em 27/12/11, na linha de precedentes da Corte (RE nº 465.383/ES-AgR-AgR-EDv-ED, Tribunal Pleno, de minha relatoria, DJe de 7/6/11; e AI nº 659.758/PB-ED, Segunda Turma, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 8/5/09), proponho, independentemente do trânsito em julgado desta decisão, a baixa imediata dos autos ao Juízo de origem, para a execução da pena imposta à embargante . É como voto.
O sempre festejado Professor Fernando Capez entende que a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo do crime.
"O princípio societas delinquere non potest não é absoluto. De fato, há crimes que só podem ser praticados por pessoas físicas, como o latrocínio, a extorsão mediante sequestro, o homicídio, o estupro, o furto etc. Existem outros, porém, que são cometidos quase sempre por meio de um ente coletivo, o qual, deste modo, acaba atuando como um escudo protetor da impunidade. São as fraudes e agressões cometidas contra o sistema financeiro e o meio ambiente. Nestes casos, com o sucessivo incremento das organizações criminosas, as quais atuam, quase sempre, sob a aparência da licitude, servindo-se de empresas "de fachada" para realizarem determinados crimes de gravíssimas repercussões na economia e na natureza. Os seus membros, usando dos mais variados artifícios, escondem-se debaixo da associação para restarem impunes, fora do alcance da malha criminal" ( Curso de Direito Penal, Parte Geral, volume I, Editora Saraiva, Página 152).
A Constituição da Republica de 1988, em duas passagens se referem a responsabilidade da pessoa jurídica, a primeira, em relação aos atos praticados contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo e contra a economia popular, conforme artigo 173, § 5º, da CF/88:
§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Existem também duas leis esparsas tratando das condutas criminosas, a Lei nº 8.137, de dezembro de 1990, que diz respeito aos crimes contra a ordem tributária, econômica e relação de consumo e a Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que trata dos crimes contra a economia popular.
A mesma Carta Magna, em seu artigo 225, § 3º, também possui comando normativo que responsabiliza a pessoa jurídica, agora no campo ambiental.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Igualmente, existe a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
E logo no artigo 3º da Lei Ambiental, já existe determinação expressa de responsabilização da pessoa jurídica.
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.
O Capítulo IV da referida lei prevê um rol de crimes praticados contra o meio ambiente, artigo 29 usque 69-A, com nova redação determinada pela Lei nº 11.284, de 2008.
Assim em 05 (cinco) seções, o estatuto penal-ambiental, prevê os crimes contra:
Dos Crimes contra a Fauna - art. 29 a 37.
Dos Crimes contra a Flora - art. 38 a 53.
Da Poluição e outros Crimes Ambientais - art. 54 a 61.
Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural - art. 62 a 68.
Dos Crimes contra a Administração Ambiental - art. 66 a 69-A.
O Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, traz o tema da Responsabilidade penal da pessoa jurídica no artigo 41.
Nas exposições de motivos do PLS, são consignadas as seguintes fundamentações:
“Responsabilidade penal da pessoa jurídica. O Direito Penal tem caráter dúplice. Serve à sociedade, protegendo-a de condutas danosas; serve às pessoas, limitando a atuação punitiva estatal. O diálogo entre estas duas utilidades, igualmente lastreadas na Constituição, é que lhe dá o perfil. Ele não é uma construção intelectual autojustificável, um fim em si mesmo. O fenômeno de condutas socialmente danosas, gerenciadas, custeadas ou determinadas por pessoas jurídicas (outra construção intelectual humana) foi, de há muito, identificado pelos estudiosos. Sancioná-las e preveni-las, portanto, é preocupação comum. A questão é: como fazê-lo? A Constituição Federal, no artigo 225, § 3º e, mais indiretamente, no art. 172, § 5º, abrigou a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas. Isto foi, inauguralmente, tipificado na Lei 9.605/98, dos crimes contra o meio ambiente. A Comissão de Reforma, por maioria de votos, entendeu que as hipóteses constitucionais são exemplificativas e não exaurientes, permitindo ao legislador que examine a conveniência de estender esta responsabilização a outros crimes, além do meio ambiente e da ordem econômica, financeira e da economia popular. Incluiu, desta maneira, a responsabilização da pessoa jurídica por crime contra a administração pública, apta a sancioná-las quando agir por decisão de suas instâncias próprias e em seu benefício”.
“A individualização das penas das pessoas jurídicas. A experiência com a Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente foi especialmente considerada para a elaboração do presente anteprojeto. Procurou-se resolver algumas das críticas endereçadas àquela lei, especialmente em face da medida legal de culpabilidade (o preceito secundário da norma penal). É por esta razão que o projeto indica que: “ Os crimes praticados pelas pessoas jurídicas são aqueles previstos nos tipos penais, aplicando-se a elas as penas neles previstas, inclusive para fins de transação penal, suspensão condicional do processo e cálculo da prescrição”. "Permite-se, deste modo, ao aplicador da lei, que considere a gravidade específica de determinado crime, no momento da dosimetria da pena aplicável à pessoa jurídica. Ao mesmo tempo, as penas dos tipos penais serão utilizadas, também pelas pessoas jurídicas, para a auferição de benefícios como a transação penal e a suspensão condicional do processo”.
“As penas compatíveis com as pessoas jurídicas. As sanções de privação de liberdade trazidas pelos tipos penais não são compatíveis com a realidade das pessoas jurídicas, por esta razão, deverão ser substituídas por aquelas elencadas nos artigo 34 e 35. A proposta procurou tornar proporcional a sanção aplicável, diante do agravo ocorrido, fixando limites mínimos e máximos para as sanções de suspensão de atividades, interdição de estabelecimentos, proibição de contratar com o poder público, etc. A única exceção é a liquidação forçada da pessoa jurídica, a pena mais grave a elas aplicável, quando forem constituídas ou utilizadas, preponderamente para facilitar, permitir ou ocultar a prática de crimes”.
Conclui-se para afirmar com todas as palavras que o meio ambiente é tema de extrema importância para as gerações em toda a sua existência.
É salutar informar que, em 1972, foi promovida pela Organização das Nações Unidas, em Estocolmo, a Conferência sobre Meio Ambiente, que destacou a existência de 23 princípios que demonstraram a preocupação com o seu desenvolvimento, constituindo-se numa importante fonte de direito ambiental, sobretudo, destacando os princípios do meio ambiente como direitos humanos, introdução ao desenvolvimento sustentável, proteção da biodiversidade e luta contra a poluição.
Decorridos 16 anos, foi promulgada a Constituição da República de 1988, que em seu artigo 225 estatui que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Dado a sua importância, que recentemente foi a anunciada a Encíclica do Papa Francisco chamando a atenção do mundo para as causas do meio ambiente.
Recentemente, durante um evento jurídico de proteção das garantias individuais realizado no Rio de Janeiro, um advogado criminalista asseverou que a pessoa jurídica não pode delinquir não por força da dogmática jurídica, que não autoriza tal entendimento por questões de lógica ligada à conduta humana e culpabilidade, mas porque o artigo 225, § 3º da Constituição Federal, é claro quando prevê conduta para pessoas humanas e atividades para pessoas jurídicas.
Longe das discussões acadêmicas e jurídicas, é certo que milhares de pessoas sofreram e ainda sofrem com o deslizamento de terras em Mariana e em várias outras cidades ainda estão ameaçadas por futuros desastres, certamente, porque o capitalismo desmedido é colocado à frente as prioridades.
Porque o meio ambiente não é tratado com seriedade no Brasil, cuja exploração desenfreada tem contribuído para a causação de tremores e abalos sismológicos, com inevitáveis consequências deletérias para a humanidade.
Porque a bestialização do Direito acaba por agasalhar condutas lesivas à humanidade e ao meio ambiente como um todo em nome de interesses escusos, de políticos desalmados e endemoniados, canalhocratas cleptocráticos, além de outros cabotinos abutres que aparecem no momento de desgraça social buscando exposição pública e vantagens futuras.
Porque o meio ambiente, mesmo com a importância que tem para as presentes e futuras gerações, parece que o Governo Federal virou as costas para o desenvolvimento sustentável e tanto isso é verdade que tivemos recentemente uma Cúpula sobre Meio Ambiente na Bolívia, num evento preparatório para a COP 21, que será realizado na França, no mês que vem, dezembro/2015, para tratar do buraco na camada de Ozônio e efeito estufa, além de outros temas ligados à poluição e responsável por doenças como o câncer de pele pois os raios ultravioletas alteram o DNA das células, além de ter relação com o aumento do aquecimento global, e infelizmente, o Brasil segundo consta não teria mandado representante, num total descaso.
Espera-se, que esse mesmo descaso não ocorra com a tragédia de Mariana/MG, que o governo tanto Federal quanto Estadual, possa verdadeiramente respeitar as famílias que perderam seus entes queridos e suas casas, seu patrimônio, perderam tudo, a alma incrustada na lama fétida e resto simbólico da exploração abrupta da riqueza ecológica, e o coração mergulhado na incerteza temporal, de trevas e de obscuridades, fruto da maldade e da indiferença humanas.
Ressalte-se, inclusive, que durante o exercício dos seus podres poderes, autoridades públicas não respeitaram a dignidade dessas famílias muito antes do fato acontecer quando em nome do capitalismo desgraçado permitiram que o ambiente fosse violentamente agredido e devastado, em nome de um modelo de mercado mundial, do livre comércio, vorazmente combatido pelo Papa Francisco quando da publicação de sua Carta Encíclica Verde que propõe um novo modelo de produção que não esteja ligado tão somente ao exercício da ecologia econômica, em detrimento da sustentabilidade social.
Por fim, é preciso e espera-se que haja uma séria, célere e rigorosa investigação por parte das autoridades competentes, em torno das causas que motivaram o desastre trágico em Mariana/MG, e que as pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela causação do resultado lesivo possam arcar com suas culpabilidades penais e administrativas, na exata medida da equanimidade, afastando-se das filigranas e das falácias insignificantes da responsabilidade penal e administrativa da pessoa jurídica, em nome da verdadeira justiça social.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 06/11/2014, às 20h49min;
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral, volume I, Editora Saraiva, Página 152).
www.otempo.com.br - Acesso em 06 de novembro de 2015, às 20h51min.

Autor:

Jeferson Botelho Pereira

Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado. Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais. Professor do Curso de Pós-Graduação em Ciências Penais e Segurança Pública - Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni. Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal - Faculdade Estácio de Sá, Campus Belo Horizonte. Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina. Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos.
Autor do livro <em>Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: atividade sindical complexa e ameaça transnacional</em> (JH Mizuno). Participação nos livros: "Lei 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia", "Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS 236/2012", e "Atividade Policial" (coord. Prof. Rogério Greco), da Impetus. Articulista em Revistas Jurídicas.

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