quinta-feira, 25 de junho de 2015

CLIPPING COESA - “Guerra química na Bahia”, por Marcelino Galo


Luta política pela regulamentação dos agrotóxicos eclode no Estado, em meio às advertências dos cientistas

Guerra química na Bahia

*Texto de Marcelino Galo

Quando você ouvir falar de armas químicas, lembre-se de seu almoço. Rememore o seu prato. Evoque em sua memória as últimas refeições em família. Uma guerra química de raízes econômicas acontece todos os dias, silenciosamente, na mesa de todos os brasileiros. E o pior. Isso não é uma metáfora.

Dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras de nosso país, 22 são proibidos na União Europeia. Os europeus não topam comer isso, mas aceitam nos vender. Outras dezenas destes produtos não estão proibidos ainda, embora já se tenha inúmeros estudos que associam o seu uso às doenças, malformações e mutações genéticas.

O Brasil é o campeão mundial em consumo de agrotóxicos, maior importador e contrabandeador desses produtos.

Podemos constatar historicamente que a indústria química avança em tempo de guerra. Todavia, ela precisa vender em tempos de paz as substâncias que descobriu na guerra. O DDT era usado para “proteger” os soldados contra piolhos e o tifo. Na guerra descobriram o Aldrin, Dieldrin, Heptacloro, Totaneno e outros organoclorados, como o DDT. Na paz, esses produtos iam para os pratos.

E assim, foi do matrimônio poligâmico entre a indústria química, a guerra, e a agricultura pós guerra, que os agrotóxicos se transformaram numa catástrofe sanitária brutal, sob o manto protetor do Estado brasileiro, e do mutismo da humanidade.

A junção dos interesses da grande indústria química, aliada ao agronegócio, desencadeia no atual sistema político a formação de poderosa bancada disposta a “barrar” qualquer iniciativa de regulamentar o uso dos agrotóxicos. Mais do que isso, com tantos parlamentares à sua disposição, essa dupla avança, beneficiada por sua superioridade econômica, midiática e política.

A saúde pública e o meio ambiente, entretanto, funcionam independentemente das bancadas e suas investidas.

Assim, no final caberá a você, que foi envenenado, arcar junto com o Sistema Único de Saúde, o tratamento de doenças como a infertilidade, impotência, abortos, malformações, problemas hormonais, efeitos sob o sistema imunológico, câncer e demais males associados aos agrotóxicos.

E qual o ônus que essas multinacionais vão carregar pelo custo à saúde e ao meio ambiente?

Nenhum, ao contrário, o Brasil premia os agrotóxicos com isenções fiscais e tributárias. 60% da alíquota de ICMS a todos agrotóxicos, isenção de IPI para os agrotóxicos com diversos princípios ativos, assim como o PIS/PASEB e COFINS.

Ao mesmo tempo, nos últimos 10 anos o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, enquanto o mercado brasileiro, em sua Blitzkrieg, avançou 190%.

Por força dos princípios da Precaução e Prevenção, os entes da Federação, as instituições públicas, e o Poder Legislativo precisam dar respostas a esta inversão de responsabilidades, fazendo com que o poluidor seja o pagador, como determina a lei. E assegurando a regulamentação da produção, comercialização e uso dos agrotóxicos de forma a proteger a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Defender a vida.

Neste cenário é que o Estado da Bahia vive uma disputa no legislativo estadual entre os que lutam para regularizar o uso e o comércio de agrotóxicos e uma bancada disposta a “barrar” a regularização.

Os números do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA/ANVISA – 2002) mostram como as baianas e os baianos estão se envenenando. 60% dos morangos analisados, 60% dos pepinos, 50% das cenouras, 60% das uvas e 40% dos abacaxis em amostras colhidas no Estado da Bahia continham níveis inaceitáveis de agrotóxicos. De 138 amostras, 30,4% continham níveis de agrotóxicos classificados como “insatisfatórios”. As demais amostras continham resíduos de agrotóxicos, mas em menor quantidade.

Entretanto, esses testes não incluem diversas substâncias como o glifosato e o paraquat. Além disso, o número de análises de alimentos feitas nas cidades baianas é irrisório, frente ao  número de propriedades rurais no Estado e do volume de comércio desses produtos. Entre as substâncias encontradas nesses vegetais estão algumas particularmente perigosas e proibidas, como o Triclorfom, banido em diversos países, como a Alemanha e a Austrália, e no Brasil, com laudo técnico do IBAMA e Anvisa proibindo seu uso.

O problema é agravado com a pulverização aérea, prática que a Comunidade Europeia proibiu, abrindo exceções em casos específicos em que ela se mostre ambientalmente menos danosa e, ainda assim, sob uma série de garantias e aprovação do Estado membro. Estima-se que somente 30% dos agrotóxicos pulverizados atingem as plantas almejadas. O restante é carregado pelo vento, contaminando o ar, solo, a fauna, mananciais de água e a população rural e urbana.

Tentativa de regulamentação e formação da “bancada do agrotóxico”

Para enfrentar a questão propus três Projetos de Lei na Assembleia Legislativa da Bahia.

O Projeto de Lei 21.317/2015 obriga a indicação expressa do uso de agrotóxicos nos produtos alimentares produzidos e comercializados no Estado da Bahia, o PL 21.314/2015 proíbe a pulverização de agrotóxico realizada por meio de aeronaves, e o PL 21.273/2015, que proíbe o uso e comercialização de agrotóxicos que contenham alguns princípios ativos, entre eles o glifosato, uma substância largamente difundida e perigosa, fonte de doenças para a população, graves danos ao meio ambiente e fortuna para a multinacional Monsanto.

Pouco tempo após a apresentação desses projetos, fui surpreendido com  declarações de alguns deputados baianos, fornecidas à imprensa, de que iriam “barrar” essas iniciativas. As declarações foram dadas ao portal G1 Bahia (3/06/2015), como garantia dos deputados aos grandes produtores rurais, durante a 11ª edição da Bahia Farm Show, a maior feira de agronegócios do estado, no município de LuÍS Eduardo Magalhães.

Para se ter uma ideia, somente neste evento era prevista uma movimentação de aproximadamente um bilhão de reais em negócios. Não havia melhor cenário para se criar a bancada do agrotóxico, e impedir o avanço desses projetos no parlamento baiano.

Respeito o posicionamento de todos os parlamentares, mas esta não é uma questão que se pode “barrar” sem profundos debates com a comunidade científica, com médicos, biólogos, agrônomos, pesquisadores.  Esses é um debate que precisa ser colocado à luz da ciência, sob a lamparina dos laudos, e exposto e debatido com a sociedade baiana.

A Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia, a qual eu coordeno, tem realizado inúmeras atividades em seus quatro Grupos de Trabalho (GT´s). Da mesma forma, a Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública, na qual sou presidente. Temos reunido diversas órgão públicos e instituições de Estado, juntamente com pesquisadores de todo o Brasil, entidades da sociedade civil e grupos ambientalistas para discutir o impacto dos agrotóxicos, buscando transformar as informações e sugestões colhidas em proposições legislativas e outras ações de acompanhamento e fiscalização da execução das políticas públicas do setor.

Em todas essas audiências públicas a necessidade de regulamentação restritiva dos agrotóxicos é um ponto consensual entre os participantes. Os cientistas são enfáticos. Os médicos são explícitos.

Recentemente, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), órgão do Ministério da Saúde, ao tempo em que advertia para aos graves danos causados à saúde da população, posicionou-se nesses termos com relação ao uso de agrotóxicos:

“Considerando o atual cenário brasileiro, os estudos científicos desenvolvidos até o presente momento e os marcos políticos existentes para o enfrentamento do uso dos agrotóxicos, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) recomenda o uso do Princípio da Precaução e o estabelecimento de ações que visem à redução progressiva e sustentada do uso de agrotóxicos, como previsto no Programa Nacional para Redução do uso de Agrotóxicos (Pronara). Em substituição ao modelo dominante, o INCA apoia a produção de base agroecológica em acordo com a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Este modelo otimiza a integração entre capacidade produtiva, uso e conservação da biodiversidade e dos demais recursos naturais essenciais à vida. Além de ser uma alternativa para a produção de alimentos livres de agrotóxicos, tem como base o equilíbrio ecológico, a eficiência econômica e a justiça social, fortalecendo agricultores e protegendo o meio ambiente e a sociedade”

Cerca de 20% dos pesticidas fabricados no mundo são despejados em nosso país. Um bilhão de litros ao ano. Um consumo per capita de 5,2 litros de agrotóxico/ano.

O consumo abusivo de agrotóxicos representa um dos maiores desastres ambientais deste século.

O enfraquecimento da Anvisa e do Ibama na regulação dos agrotóxicos: o caso das “emergências fitossanitárias”

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO, juntamente com a Fundação Oswaldo Cruz e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio produziram uma das mais completas e veementes publicações sobre esse tema. No livro “Dossiê ABRASCO – um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, a Bahia se destaca negativamente, como um exemplo de como as mudanças na legislação, patrocinada pela bancada ruralista,  enfraquece o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na função de regular os agrotóxicos.

Em 2013, durante a votação da Medida Provisória 619/2013, a bancada ruralista incluiu três artigos no texto (artigos 52,53 e 54), que entre outras coisas concede ao Ministério da Agricultura o poder de flexibilizar as restrições ao uso dos agrotóxicos e, em caso de declaração de “emergência fitosanitária e zoosanitária”, autorizar o uso de substâncias proibidas.

“A confirmação de se tratava de uma ação articulada entre setores do agronegócio representados por lideranças da bancada ruralista e setores do governo federal veio com a publicação da Lei 12.873, em 24 de outubro de 2013, que manteve os três artigos na íntegra (BRASIL, 2013a) e a regulamentação desses artigos através do Decreto Presidencial 8.133, de 28 de outubro de 2013 (BRASIL, 2013b). Uma semana depois, o MAPA declara a Bahia oficialmente em estado de emergência fitossanitária em relação ao inseto Helicoverpa armigera e três dias depois, em 7 de novembro, publica a Portaria 1.109 (BRASIL. MAPA, 2013c), na qual autoriza a importação da substância benzoato de emamectina, agrotóxico que não foi autorizado no Brasil devido ao seu perigo para a saúde humana.

Todo o trâmite – desde a aprovação na calada da noite na Câmara dos Deputados até apreciação e aprovação no Senado, sanção e regulamentação presidencial, declaração de situação de emergência fitossanitária em uma região do Brasil e autorização para importação de um agrotóxico até então proibido pelo MAPA – durou 43 dias”. (ABRASCO, 2013. p. 469)

O benzoato de emamectina, importando às toneladas, havia tido o seu registro indeferido pela Anvisa em 2003. A agência considerou seu uso um perigo à saúde, em especial devido à sua elevada neurotoxicidade e a suspeita de teratogênese (má-formação fetal).

O Ministério Público da Bahia entrou com uma ação para proibir o uso desse agrotóxico, mas o Tribunal de Justiça da Bahia autorizou a importação do benzoato de emamectina. Com isso, a substância foi largamente usada e há suspeita de que até estoques dela tenham sido formados.

Desastre anunciado de saúde pública

Na França, uma epidemia de câncer ocorreu porque o comitê criado para estudar o problema do amianto foi dominado por lobistas do setor, que falharam em defender o interesse público, segundo conclusões de um relatório do Senado francês sobre os impactos da substância, proibida pelos franceses em 1997 e até hoje permitido no Brasil.

“Enquanto 35 mil mortes podem ser atribuídas ao amianto entre 1965 e 1995, outras 60 mil a 100 mil mortes são esperadas nos próximos 20 a 25 anos”,  destacou o relatório, que classifica o caso como o “pior desastre de saúde pública” da  França.

Os exemplos históricos devem servir-nos de alerta. O que estamos assistindo na Bahia, com o uso abusivo de agrotóxicos é, assim como ocorreu na França no caso do amianto, é a supremacia do interesse privado sobre o interesse público. E esta omissão já traz danos à saúde da população, e ameaça a saúde das futuras gerações.

Esta é uma guerra diária, da qual ou você faz atua ou é envolvido sem sequer dar-se conta de que está no meio de um conflito. Para vê-lo, não é preciso olhar as manchetes dos jornais sobre o Iraque, Síria ou o Afeganistão. Basta observar o seu prato.

Marcelino Galo é engenheiro agrônomo, deputado estadual, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia, vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia.

Fonte: Blog ZDA

quarta-feira, 24 de junho de 2015

CLIPPING COESA - Seminário alerta para necessidade de recuperar Bacias Hidrográficas


O projeto Cultivando Água Boa, programa instituído pela Itaipu Binacional, foi apresentado pelo diretor de coordenação da companhia, Nelton Miguel Friedrich, como experiência exitosa e premiada pela Organização das Nações Unidas a ser replicada em outros estados durante o “Seminário das Águas, Experiências e Desafios em Tempos de Mudanças Climáticas”, nesta segunda-feira (15), na Assembleia Legislativa. O evento organizado conjuntamente pela Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia e pela Frente Parlamentar de Saneamento Ambiental da Câmara de Vereadores de Salvador refletiu a necessidade da recuperação da mata ciliar, da preservação das nascentes e das Bacias Hidrográficas, além da mudança de comportamento do homem em relação ao meio ambiente, como, por exemplo, com o reuso da água como medida de consumo inteligente. A necessidade de atualizar a legislação e revisar a Política de Recursos Hídricos também foi apontada como importante ante o cenário de estiagens prolongadas.
“Discutimos aqui uma experiência brasileira, organizada e produzida por brasileiros, que é referente à produção da água. O coordenador de meio ambiente da Itaipu Binacional, onde se encontra um dos maiores reservatórios do mundo, construído para produzir energia, teve a oportunidade de desenvolver uma experiência sobre a preservação das bacias hidrográficas vinculadas àqueles reservatórios. Nosso objetivo foi apresentar essa experiência, principalmente para nós que temos a região do São Francisco, especialmente o Lago do Sobradinho, numa condição crítica, e fazer um debate aberto, que deve ser tratado como ciência e não como politicagem, pois a questão da água é uma coisa séria e que tem haver com o futuro da humanidade”, afirmou o deputado Marcelino Galo, que coordenou o encontro.
O programa Cultivando Água Boa contempla diversas ações socioambientais relacionadas com a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade, envolvendo comunidades da Bacia Hidrográfica do Paraná 3, região conectada pelos rios e córregos com o reservatório da usina de Itaipu, responsável por 19% de toda energia consumida no Brasil. De acordo com Nelton Friedrich, já são 20 programas, 65 ações, 315 oficinas realizadas e 2.146 parceiros envolvidos na promoção da qualidade de vida nas comunidades a partir da preservação das Bacias Hidrográficas. “Começamos há 12 anos com duas microbacias e estamos atingindo 217. O mais importante é que o programa não é da Itaipu Binacional, é uma experiência que inaugura uma governança que busca, a cima de tudo, horizontalizar todas as suas ações”, ressaltou.
A coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, apontou o desmatamento como um dos principais responsáveis pela estiagem que atingiu 1.442 municípios apenas na região sudeste. De acordo com ela, um hectare de Mata Atlântica bem conservada pode produzir até 10 mil litros de água, enquanto 100 hectares produzem água suficiente para satisfazer a necessidade de 2.600 pessoas. “Isso muda o preço da cesta básica e tem reflexos em nossa vida”, sentenciou Ribeiro, ao lembrar que o novo Código Florestal reduziu a faixa de proteção da mata ciliar.
O Atlas da Mata Atlântica aponta que, entre 2013 e 2014, o desmatamento em 17 estados superou os 18.267 hectares no Brasil. O município de Baianópolis, no oeste baiano, aparece em segundo lugar na lista, com perda de 1.522 hectares de mata nativa. Segundo a Agência Nacional de Águas, apenas a sedimentação dos corpos d’água acarreta prejuízos que superam os R$ 2 bilhões.
Também participaram do evento o vereador de Salvador, Gilmar Santiago, Celson Pinheiro, superintendente de infraestrutura hídrica do Estado, Célio Costa Pinto, superintendente do Ibama, representantes da secretaria de Meio Ambiente do Estado, do Inema, da Fapesca, da Companhia de Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da Bahia, da Secretaria da Saúde do Estado e alunos do Centro Estadual de Educação Profissional em Negócios e Turismo Luiz Navarro Brito.

Foto Keila Ramos / Divulgação

CLIPPING COESA - Mineração na caatinga: o pesadelo das comunidades rurais

Mineração na caatinga: o pesadelo das comunidades rurais

Por: Najar Tubino

A verdade é simples e direta: extratoras de minerais e empreiteiras atuam de forma ditatorial quando implantam seus projetos no interior do país.




Raimundo Dias da Silva Santos mora em Campo Alegre de Lourdes, a 799 km de Salvador, região do semiárido baiano, onde o IBGE registra o maior número de estabelecimentos da agricultura familiar – 665.680 – no país. Seu Raimundo é o exemplo das mudanças que vêm ocorrendo no semiárido nos últimos anos, com as políticas públicas implantadas pelo governo federal e executadas pela ASA. A família conta com cisterna que capta água da chuva e uma cisterna de produção, que viabiliza a criação de animais, principalmente cabras. Ele recebe assistência técnica do Instituto da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), que atua no semiárido da Bahia há 25 anos. Vivendo há 40 anos em Campo Alegre de Lourdes, considera a caatinga um lugar bom para se viver, desde que se aprenda com a convivência.
 
Porém, nos últimos anos uma série gigantesca de investimento tem assolado o mesmo semiárido. Pode ser uma contradição histórica, mas uma terra que exige muito sacrifício para as famílias de agricultores e camponeses viverem, é muito rica em minerais. A Bahia pretende ser o terceiro polo mineral do país e já recebeu mais de cinco bilhões de reais em investimentos. Em Campo Alegre de Lourdes, o Grupo Galvani explora fosfato, que é um dos componentes dos fertilizantes químicos, como fonte de fósforo. O Grupo Galvani tem uma fábrica em Luis Eduardo Magalhães território da soja, do algodão e milho do agronegócio. As minas ficam onde estão as comunidades rurais, como a do seu Raimundo, a Lagoa do Boi. A região é o semiárido, onde chove no máximo 700 mm por ano. E as extratoras de minerais precisam de muita água.
 
Água do açude para lavar o minério
 
A Ferbasa explora cromo em Andorinhas, onde o DNOCS tem um açude, que segundo a empresa foi construído levando em conta as atividades da empresa. No ano passado o açude estava com 30% da sua capacidade – 13 milhões de litros -, em consequência de três anos de seca. Mais de 100 famílias dependem da pesca do açude, que também serve de fonte para os animais. Houve protesto das comunidades, que exigiam uma menor captação da água, pois a prioridade, pelo menos teoricamente, deve ser saciar a sede dos humanos. A empresa expediu um comunicado dizendo que usaria das prerrogativas da outorga concedida pela Agência Nacional de Águas válida até 2021, e que a água é indispensável para o funcionamento da empresa, dos empregos, dos 2% de receita que o município recebe, entre outras coisas.
 
Campo Alegre de Lourdes estabeleceu o dia 19 de setembro como o dia de luta contra a mineração e todos os anos fazem uma caminhada até o Morro Tuiuiú, cobiçado pelas extratoras, que já identificaram a existência de ferro e vanádio no Morro da Carlota. Cromo, vanádio e níquel, também explorado na Bahia, servem para os processos de industrialização do aço e são fundamentais no aço inoxidável. O cromo é um mineral classificado como cancerígeno há muitos anos e a população de Andorinha, onde funcionários aposentados e familiares reclamam das doenças no pulmão, na coluna e outras, sofre isso cotidianamente. O Brasil registrou em 2014 mais de 576 mil casos de câncer e nos próximos cinco anos este número deverá aumentar 38%.
 
Impacto da exploração do urânio
 
Entretanto, ocorrem problemas muito mais graves e que se arrastam por duas décadas envolvendo a mineração de urânio em Caetité, a 750 km de Salvador, na mesma caatinga. Uma jazida considerada pelas Indústrias Nucleares Brasileira (INB)- uma estatal ligada ao Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação, que explora o minério desde o ano 2000 na região – com potencial de 100 mil toneladas. A mina fica no distrito de Maniaçu, a 12 km da cidade, onde vivem oito comunidades rurais. A INB é uma empresa estatal, controlada pela Marinha, e é óbvio que funciona como era na época da ditadura. Ou seja, nunca ouviu as queixas e reivindicações das comunidades rurais a respeito de poluição atmosférica, vazamento de material tóxico, problemas de saúde.
 
A FIOCRUZ fez um estudo sobre a poluição do urânio em Caetité juntamente com o CRIIAD, um laboratório francês que atua de forma independente. É um projeto internacional que trata dos impactos sofridos por comunidades atingidas pela exploração do urânio no mundo, elaborado pela Universidade Autônoma de Barcelona. No estudo, apresentado em 2013, os pesquisadores relataram dados sobre contaminação da radiação Gama 2,5 a 10 vezes acima do permitido em duas comunidades perto da mina. Na verdade, desde a implantação da empresa, que produz o concentrado de urânio (yellowcake), depois será beneficiado no exterior e voltará como combustível das usinas de Angra dos Reis, foram registrados mais de 10 tipos de acidentes.      
 
Comunidades tiveram que registrar casos de câncer
 
A verdade é simples e direta: extratoras de minerais, assim como empreiteiras atuam de forma ditatorial quando implantam seus projetos no interior do país. Elas fazem o discurso que tratam bem as comunidades, dialogam, a INB tem um centro de visitação em Caetité – cidade com 50 mil habitantes-, mas não tratam dos impactos causados pela exploração do urânio. As comunidades tiveram que procurar as famílias cujos parentes tiveram câncer – 21 casos -, sendo 17 mortes. Tudo para servir de argumentação e comprovar a morbidade e mortalidade do urânio, fato extremamente comprovado mundo afora. Não adianta ter centro de visitação e não ter uma unidade de Vigilância em Saúde. Outro ponto fundamental: a mesma empresa que extrai o urânio, ou seja, quebra as pedras, lava e depois retira a parte nobre para fazer o concentrado, também faz a gestão ambiental. A fiscalização fica por conta da Comissão Nacional de Energia Nuclear, também um órgão vinculado ao MCTI, ou seja, não tem vigilância e fiscalização independente. Mais: as 400 toneladas anuais produzidas de concentrado de urânio são enviadas para a França pelo porto de Salvador via terrestre.
 
O pesadelo das comunidades não acaba. As extratoras também descobriram uma jazida de fosfato com urânio em Santa Quitéria, município cearense a 270 km de Fortaleza. Foi formado um consórcio entre o grupo Galvani e a INB e as atividades já iniciaram. No final do ano passado o IBAMA fez três audiências públicas sobre o caso na região. Lá os membros das empresas fizeram um relato sobre o empreendimento, da segurança, da tecnologia e não falam nada sobre riscos e cuidados com a população. No Ceará criaram a Articulação Antinuclear, formada por MST, Núcleo Tramas da Universidade Federal do Ceará, a CPT e a Cáritas.
 
IBAMA requer ajustes há cinco anos
 
Sobre o IBAMA chama a atenção para a Licença de Instalação concedida no dia 22 de abril de 2015 para a INB continuar e expandir suas atividades em Caetité, agora no distrito de Lagoa Real – na verdade é um município. A mina do distrito de Maniaçu deve ter esgotado, porque as explorações de urânio no Brasil duram 15 anos, baseado nos casos existentes até agora. Registra o órgão:
 
“- A solicitação de adequação de alguns programas ambientais em execução na unidade, como a revisão dos programas de Monitoração Ambiental Operacional, de gerenciamento de Resíduos Sólidos, de Inspeção Regional, entre outros. A citada revisão representa ajustes que o IBAMA tem requerido ao empreendedor nos últimos cinco anos e objetiva dar maior robustez à gestão ambiental do empreendimento. Vale lembrar que essa revisão não representa o ponto final das melhorias entendidas como naturais e necessárias para o empreendimento”.
 
A INB sempre nega a contaminação
 
Desde o início da exploração em Miniaçu passaram 15 anos. As comunidades sempre reclamaram da poluição, principalmente da contaminação da água. Os órgãos ambientais nunca deram acolhida às reivindicações. A INB diz que monitora 150 poços e que estão dentro dos padrões aceitáveis pelo Ministério da Saúde e do CONAMA. Qual o valor disso? Nenhum, principalmente porque a empresa já manipulou uma pesquisa da FIOCRUZ para assegurar que o urânio não causa contaminação no ambiente e risco à população.
 
O problema ainda vai se agravar em Caetité com as operações da Eurasian Natural Resources Corporation, empresa do Cazaquistão, com sede em Londres, que no Brasil atua como Bahia Mineração e vai explorar uma jazida de 400 milhões de toneladas no município baiano. O plano é levar o ferro por via ferroviária até o Porto de Ilhéus, onde a Bamin terá um terminal exclusivo, com pátio para trabalhar o mineral, numa região turística.
Pior do que tudo isso ainda é o caso de Poços de Caldas, sul de Minas Gerais, onde a INB explorou urânio até 1995 e fechou a mina – descomissionou como se diz na linguagem do neolibelê –deixando acumulado 17 milhões de rejeitos radioativos, sem contar a terra revolvida que é separada para tirar o que interessa. Mineração envolve sempre muita água e terra esbagaçada, além do buraco. No caso do urânio a exploração é a céu aberto.
 
Situação dos rejeitos radioativos é um mistério
 
A situação dos rejeitos radioativos de Poços de Caldas, a primeira mina de urânio do Brasil, iniciada em 1982, no final da ditadura, é um mistério que não consegui esclarecer. Uma informação oficial de junho de 2013 dava conta da venda de 15 milhões de toneladas de rejeitos para a China, pela empresa Global Green Energy Science e Technology, que voltariam ao Brasil tratados e reaproveitados como matéria prima. Não existe informação sobre rejeitos radioativos de Poços de Caldas nem no site da INB e nem do MCTI.
 
A caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, tem uma sina de sofrimento e espoliação secular e agora na modernidade ainda vai pagar mais esta conta, em nome do desenvolvimento e do progresso. Os rejeitos de Poços de Caldas contém tório e rádio, dois minerais associados ao urânio. Um tem uma meia-vida de 75 mil anos e outro de 1600 anos. O urânio é usado pelos paleontólogos para definir a idade de alguns extratos bilhões de anos, porque a meia-vida dele dura 4,5 bilhões, ou seja, o tempo da existência do planeta. Nenhuma extratora do mundo tem solução para rejeito de exploração de urânio, nem usina nuclear sabe o que fazer com o combustível já usado. Esta é uma tecnologia primária, que usa um combustível explosivo e destruidor. O urânio enriquecido esquenta a água, que ferve e depois aciona as turbinas e estas produzirão energia elétrica.
 
A semana mundial do meio ambiente é comemorada no início de junho, é a temporadas das empresas choramingarem pela necessidade de detonar o planeta e mostrar seus projetos de educação ambiental e plantio de mudas.     



Nota de resposta do INB (publicada dia 03/06)
 
Em relação à matéria publicada no último dia 02 de junho pelo site Carta Maior, sob o título “Mineração na caatinga: o pesadelo das comunidades rurais”, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) informam que são incorretas diversas informações divulgadas sobre as atividades da empresa em Caetité, Santa Quitéria e Caldas, conforme listado nos itens a seguir: 
 
As Indústrias Nucleares do Brasil - INB são uma empresa estatal vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, e não à Marinha do Brasil.
 
A INB atua de forma transparente, divulgando informações e dialogando com entidades e populações moradoras no entorno de suas unidades; no site da empresa qualquer cidadão encontra informações atualizadas sobre a atuação da empresa, que responde através de diversos canais, inclusive o Serviço de Informação ao Cidadão, todas as demandas de informações e dúvidas que nos são colocadas.
 
Os resultados de estudos técnicos realizados pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA - órgão vinculado à ONU), pela Fiocruz e pela Comissão Nacional de Energia Nuclear atestam que não há contaminação de urânio em Caetité e que a população local não está exposta a níveis de radiação nocivos à saúde de quem vive próximo às instalações da empresa. 
 
Informamos que a média histórica das taxas de radiação das águas de Caetité é de 0,1 Bq/L, ou seja, um valor 5 vezes menor que o valor máximo permitido por instituições nacionais e internacionais, que é de 0,5 Bq/L (bequerel por litro).   
 
A Comissão Nacional de Energia Nuclear identificou ainda que a radioatividade encontrada nessas águas é menor do que a de estâncias turísticas como Araxá (MG), Águas de Lindóia (SP) e Guarapari (ES) e reafirmou que a ocorrência de urânio nas águas subterrâneas da região é natural, não podendo ser atribuída à operação da INB.
 
 A possibilidade de aumento de casos de câncer na região foi pesquisada pela Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde – Fiotec/Fiocruz, que fez um levantamento completo do número de ocorrência dessa doença entre os anos de 1995 (antes da entrada em operação das Indústrias Nucleares do Brasil - INB) e 2005, comparando os dados obtidos com as ocorrências no Estado da Bahia. De acordo com o estudo, o número de casos de câncer em Caetité em 1995 correspondeu a 6.50% da população, enquanto que no Estado da Bahia como um todo alcançou 7.40%. Em 2005, na região de Caetité o percentual foi de 6.60%, e na Bahia chegou a 9.45%. 
 
 Em relação ao transporte de concentrado de urânio entre Caetité e o porto de Salvador, a INB informa que essa operação, fiscalizada pelo IBAMA, é realizada dentro dos padrões de proteção física e radiológica adotados no mundo inteiro. Os tambores de yellowcake são organizados dentro de contêineres e aí fixados para que não se choquem; os contêineres fechados são levados em caminhões acompanhados por pessoal especializado e sob a responsabilidade da Polícia Rodoviária Federal, dos bombeiros e da Polícia Civil da Bahia. Toda a operação é acompanhada pelo Sistema de Proteção ao Programa Nuclear, o SIPRON.
 
A licença concedida pelo IBAMA em 22 de abril de 2015 é para a exploração de uma nova jazida de urânio que fica na mesma área onde a INB tem a sua unidade atualmente, perto do distrito de Maniaçu. Toda aquela região é conhecida como Província Uranífera de Lagoa Real, mas isso não significa que a INB começará a explorar num novo território no município de Lagoa Real. 
 
Sobre a região de Caldas, a INB em release divulgado em 07/08/2013, informou um acordo para a exportação de 16 mil toneladas de Torta II e não 15 milhões de toneladas como cita a matéria. Informações sobre a unidade de Caldas – e todas as unidades da INB podem ser encontradas no site www.inb.gov.br em Acesso a Informação – Perguntas Frequentes. 
 
A INB sempre se coloca à disposição da imprensa e de qualquer cidadão para esclarecer dúvidas sobre as suas atividades. Ciente da sua responsabilidade perante toda a sociedade, a empresa trabalha para que os dados sobre as suas atividades sejam divulgados corretamente, pois tem certeza de que informações incorretas ou imprecisas podem gerar temor e prejudicar sobretudo as populações que vivem próximas as suas unidades.

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