No oeste baiano, os licenciamentos para
desmatamento acabam em cinismo.
Foto:
Martin Mayr – Agência 10envolvimento, Barreiras
A Agência 10envolvimento, membro do COESA com atuação no oeste baiano, dirigiu uma carta aberta a Sr.ª Izabella Teixeira, Ministra de Estado do Meio Ambiente. O ofício aponta para o excesso de autorizações para supressão da vegetação nativa no Cerrado, concedidas pelo Governo da Bahia. Pelo ritmo atual dos licenciamentos, daqui a dez anos não haverá mais cerrado nativo no oeste baiano. A carta ilustra ainda, mediante citação de dois licenciamentos para supressão de áreas muito grandes, a precariedade dos pareceres técnicos que fundamentam as decisões do órgão licenciador.
Segue a carta na íntegra.
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À Excelentíssima Senhora
Izabella Mônica Vieira Teixeira
Ministra
de Estado do Meio Ambiente
Esplanada dos Ministérios, Bloco B, 5º andar
70068-900 - Brasília - DF
Referente: Desmatamento no cerrado no oeste baiano: autorizações desmedidas
e infundadas para supressão da vegetação nativa
Barreiras, 8 de julho de
2015
Senhora Ministra,
A “Associação de Promoção do
Desenvolvimento Solidário e Sustentável – 10envolvimento”,
fundada no ano de 2004 com sede em Barreiras - BA, é uma organização
não-governamental inserida na ação social da Diocese de Barreiras – BA. Através do seu braço executivo “Agência
10envolvimento”, a entidade vem trabalhando, constante e sistematicamente, em
prol da preservação do bioma Cerrado e
do bem-estar das comunidades tradicionais no oeste baiano.
2. Neste âmbito, depara-se com uma desenfreada e frequentemente ilegal supressão da vegetação
nativa, causa primordial de diversos impactos socioambientais nocivos: perda
da biodiversidade, distúrbio da recarga do aquífero Urucuia, assoreamento dos cursos
de água, eliminação das áreas de extrativismo, fechos e fundos de pasto,
aniquilação da cultura geraizeira.
3. Tudo isto ocorre em função de interesses econômicos e políticos que têm o Cerrado como
mero espaço físico para a expansão do agronegócio, do hidronegócio e da
mineração, tendo a região do “MATOPIBA” – a qual abrange também todo o oeste
baiano - como principal frente desta projeção desenvolvimentista.
4. Sabemos
dos esforços do Ministério de Meio Ambiente em fazer frente às supressões da
cobertura vegetal nativa no bioma Cerrado, tendo o “PPCerrado” como
principal plano de ação do Governo Federal para controlar o desmatamento, combater
incêndios florestais e reduzir, concomitantemente, a emissão de gases de efeito
estufa.
5. Para acompanhar e avaliar as ações do “PPCerrado”,
ficou criada a “Comissão Nacional do Programa Cerrado Sustentável – CONACER”,
conforme Decreto Nº 7.302, de 15 de setembro de 2010. Representando a “Rede
Cerrado” – membro titular da CONACER pelo setor da Sociedade Civil Organizada –
a entidade autora do presente faz parte do colegiado CONACER, tendo
apresentado, numa reunião do CONACER no dia 23 de junho de 2015 em Brasília, o
que agora dirigimos diretamente a Vossa Excelência Senhora Ministra do Meio
Ambiente.
6. Para otimizar o direcionamento das ações
do “PPCerrado”,
partiu-se da observação onde se concentram as maiores taxas de desmatamento e
incêndios florestais no cerrado. Neste sentido, os municípios baianos “Formosa do Rio Preto”, “São Desidério” e
“Correntina” ficaram na ponta do ranking nacional (MMA, 2011).
7. Em consideração disto, Vossa Excelência
lançou a Portaria Nº 97, de 22 de março de 2012, a qual identifica os
municípios situados no bioma Cerrado para medidas de ações prioritárias de
monitoramento e controle de desmatamento ilegal e manutenção de áreas nativas. No que tange à Bahia, a Portaria define os
municípios de Barreiras, Cocos, Correntina, Formosa do Rio Preto, Jaborandi, Luís Eduardo Magalhães, Riachão
das Neves e São Desidério como áreas de intervenções prioritárias.
8. Apesar de constar como parceiro
estratégico na viabilização das estratégias e ações do “PPCerrado”, o Governo Estadual da Bahia, através da
sua Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SEMA e do seu Instituto
Estadual de Meio Ambiente – INEMA, segue,
na prática atual, num caminho contrário aos esforços nacionais.
9. Somente
entre os meses janeiro e junho de 2015, o INEMA - órgão licenciador do Estado
da Bahia - autorizou – através de 45 processos – a supressão de 76.242 hectares
de vegetação nativa no cerrado do oeste baiano (fonte: Diário Oficial do
Estado da Bahia – veja Anexo 1). Salienta-se que esse número reflete
apenas as autorizações estaduais, desconsiderando as autorizações emitidas
pelos municípios e omitindo os contínuos desmatamentos ilegais. Caso o atual
ritmo de autorizações oficiais se firmar, no ano de 2025 – daqui a dez anos –
não haverá mais Cerrado nativo no oeste baiano.
10. Grande parte das supressões autorizadas
pelo Estado ocorrem em cima de áreas de recarga do aquífero Urucuia. Um
crescente número de estudos recentes aponta para a fatal correlação entre o aumento de supressão do Cerrado nativo e o
rebaixamento da vazão dos rios do oeste baiano, vitais contribuintes para o
tão carente Rio São Francisco.
11. Não obstante, o Governo Estadual
da Bahia persiste autorizando exorbitantes captações de águas fluviais e
subterrâneas no oeste baiano. Pelos dados publicados no Diário Oficial da Bahia, somente nos
meses de janeiro e fevereiro deste ano, as captações autorizadas pelo INEMA
somam uma vazão total de 1.679.711 m³/dia (veja Anexo 2). Caso
esse ritmo se firmar, no final deste ano o Governo da Bahia terá autorizado
tirar dos rios contribuintes no oeste baiano duas vezes mais água do que o
Governo Federal liberará para fins de transposição do Rio São Francisco.
12. Questionado sobre a sustentabilidade da
atual política de licenciamento ambiental, o atual Secretário Estadual de Meio
Ambiente alega falta de respaldo legal para reprovar os pleitos por supressão
de cobertura vegetal e captação de água. Contudo, ao invés de suprir suposta
lacuna por instrumentos mais rígidos de ordenamento ambiental, o Estado da Bahia
segue afrouxando ainda mais os marcos regulatórios: isenção de licenciamento
ambiental para a agricultura, zoneamento económico-ecológico com caráter meramente
propositivo e sem força taxativa.
13. Pelo Decreto 15.682, de 19 de novembro de
2014, o Estado da Bahia passou a
dispensar o licenciamento ambiental para atividades de agricultura e pecuária,
indo contra a legislação ambiental federal e negligenciando, gravemente, o princípio de precaução. Desta forma,
o Órgão Estadual de Meio Ambiente abre mão de um instrumento de respaldo
técnico para avaliar a viabilidade ambiental de uma atividade potencialmente
poluidora e degradadora de recursos naturais. Isto caracteriza um claro
retrocesso socioambiental. Consequentemente, o Órgão Estadual de Meio Ambiente
abandona a alternativa locacional, as possíveis medidas mitigadoras,
compensatórias e o acompanhamento do cumprimento das condicionantes.
14.
Compreendido como avaliação prévia dos impactos ambientais de determinada
atividade a ser implementada, o analista ambiental deve averiguar não somente a
reparação de inerentes danos ambientais, mas também exigir o impedimento da sua
ocorrência (princípio de prevenção) e o afastamento de riscos para
consequências indesejáveis (princípio de precaução). Considerando os vários
princípios da abordagem ambiental, o analista forma um parecer que fundamenta
tecnicamente a concessão ou o indeferimento de uma licença ambiental. Portanto,
ao contrário do que alega o Secretário Estadual de Meio Ambiente da Bahia, há sim um refinado arcabouço legal para
justificar decisões criteriosas.
15. Seguem dois exemplos de recentes autorizações de supressão do Cerrado nativo
no oeste baiano. Os casos localizam-se em Formosa do Rio Preto, município
campeão de desmatamento do Cerrado. Impressiona a desproporcionalidade entre magnitude do desmatamento e inconsistência
do respectivo processo de autorização de supressão. Assim, os dois exemplos
acabam confirmando como o Estado da Bahia anda na contramão em relação aos esforços
governamentais (com apoios internacionais) e cíveis para preservar o bioma
Cerrado.
16. São estes os processos a serem
questionados:
§
Autorização de supressão de 29.839,00 ha de vegetação nativa nos imóveis rurais denominados “Fazenda
Sacuri”, “Fazenda Bom Jesus” e “Fazenda Havana”, formando uma área contínua localizada na zona rural
do município de Formosa do Rio Preto – Processo requerido pela empresa “Bom Jesus Agropecuária Ltda.” (Rondonópolis
– MT) junto ao INEMA no dia 02/09/2014, autorização concedia no dia 27/11/2014
(veja Anexo 3).
§
Autorização de supressão de 24.732,00 ha de vegetação nativa no “Empreendimento Condomínio
Delfin”, formando uma área contínua
localizada na zona rural do município de Formosa do Rio Preto – Processo
requerido pela empresa “Delfin Rio S/A
Crédito Imobiliário” (Rio de Janeiro) junto ao INEMA no dia 01/09/2014,
autorização concedia no dia 12/01/2015 (veja Anexo 4).
17. As duas áreas pertencem às escassas manchas de cerrado nativo restante
no extremo oeste da Bahia, situadas na mais crucial faixa de recarga do
aquífero Urucuia (veja os Anexos 5 e 6). Por suas caraterísticas de
fitofisionomia, abrigam um certo tipo de biodiversidade que se encontra
extremamente ameaçada. - Chama atenção a rapidez do trâmite destes dois
processos.
18. Seguem os principais questionamentos em relação à justificação das autorizações:
Bom Jesus Agropecuária:
® Área em litígio fundiário;
® Área sujeita à autorização federal, por abranger dois
estados (BA e TO);
® Averbação de Reserva Legal extra matrícula, em detrimento
à Lei Federal 12.561/2012, Art. 66, § 9º;
® Projeto técnico aprovado com apenas 1 dia de inspeção
em loco;
® Falta de audiência pública;
® Desconsideração da proximidade às duas UC´s Federais
“Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins” e “Parque Nacional dos
Nascentes do Rio Parnaiba”;
® Desconsideração da área de recarga do aquífero Urucuia
e da cabeceira do “Rio Sassafraz”, nenhuma anuência em relação aos frequentes
desabamentos nas bordas das serras na região.
Observação: O desmatamento foi embargado e multado pelo
IBAMA – Gerência Executiva de Barreiras, por falta total de acompanhamento
técnico na fase da supressão e resgate de fauna.
Condomínio Delfin (Fazenda Estrondo):
® Área em litígio fundiário;
® Desconsideração do persistente conflito socioambiental
entre as comunidades tradicionais no Alto Rio Preto e o Condomínio;
® Projeto técnico aprovado com apenas 1 dia de inspeção
em loco;
® Falta de audiência pública;
® Desconsideração do embargo de parte da área pelo
IBAMA, por aplicação fraudulenta do instrumento “Dispensa de Autorização de
Supressão Vegetal – DASV”;
® Desconsideração da situação de irregularidade em
relação às Reservas Legais, notificada pelo IBAMA;
® Absoluta inconsistência em relação ao condicionante da
Licença Prévia que se informe sobre as fontes e as dimensões no uso da água no
empreendimento. A Empresa apresentou apenas uma “Dispensa de outorga de direito
de uso de água”, emitida em 2007 para um poço tubular da fazenda vizinha (veja Anexo
7). O analista ambiental do Estado da Bahia avaliou o cumprimento da
condicionante como “satisfatório”.
19. Informamos que encaminhamos os
questionamentos aqui relatados ao Ministério Público Estadual, mediante ofício
protocolado no dia 12 de março de 2015. Até o momento, não recebemos retorno
sobre as apurações cabíveis.
20. Ressaltamos também que levamos tais
questionamentos pessoalmente ao conhecimento do Senhor Secretário Estadual de
Meio Ambiente da Bahia, por ocasião de uma reunião conjunta dos Colegiados
Ambientais da Bahia, ocorrida entre os dias 25 e 27 de março em Salvador. Não
obtivemos esclarecimentos satisfatórios.
21. Tendo
quantificado a extensão preocupante de Cerrado nativo sujeitado à supressão
pelo Governo da Bahia, e tendo abordado dois casos de porte elevado cujos
processos de licenciamento ambiental apresentam sérias precariedades, mostramos
que a atual política ambiental do Estado da Bahia contraria quaisquer esforços
em prol da preservação do bioma Cerrado, sejam empreendidos pelo Governo
Federal, sejam subsidiados por organizações internacionais, sejam defendidos e
praticados por entidades civis, movimentos populares e comunidades tradicionais
inseridas no bioma.
22. Diante do exposto, solicitamos que Vossa Excelência queira
§
Apurar os fatos aqui relacionados, comprometendo-se com a correção de abusos e
irregularidades oportunamente verificados;
§
Chamar os representantes da Gerência Executiva do
IBAMA de Barreiras, profundos
conhecedores do contexto, para relatarem a atual conjuntura das supressões do
Cerrado nativo no oeste baiano;
§
Convocar os representantes da Secretaria Estadual de
Meio Ambiente da Bahia e das Secretárias Municipais de Meio Ambiente dos municípios
baianos “Formosa do Rio Preto”, “São
Desidério”, “Correntina”, “Jaborandi”, “Barreiras”, “Baianópolis”, “Cocos”, “Luís
Eduardo Magalhães” e “Riachão das Neves” para
instrui-las sobre a responsabilidade compartilhada em relação ao “PPCerrado
– Plano de ação para prevenção e controle do desmatamento e das queimadas no Cerrado.”
23. Informamos que enviamos cópias do presente
para os seguintes órgãos:
§
Presidência do
IBAMA
§
Presidência do
ICMBio
§
Superintendência
do IBAMA na Bahia
§
Gerência
Executiva do IBAMA Regional de Barreiras
§
Ministério
Público Estadual – Núcleo de Revitalização do Rio São Francisco
§
Ministério
Federal do Meio Ambiente, da Proteção da Natureza, da Construção e da Segurança
Nuclear da Alemanha - BMUB
§
Departamento de
Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais do Reino Unido de Grã-Bretanha e
Irlanda do Norte – DEFRA
§
GEF / Banco
Mundial
§
Banco Mundial /
Fundos de Investimento para o Clima
§
Presidência da
“Rede Cerrado”
§
Coordenação do
Programa “Articulação São Francisco Vivo”
Com saudações confiantes dos gerais
no oeste baiano,
Martin Mayr
Coordenador Geral da Agência 10envolvimento - Barreiras – BA
Edite Lopes de Souza
Coordenadora do Setor “Meio Ambiente” da Ambiente” da Agência 10envolvimento - Barreiras – BA
Abner Mares Costa
Técnico do Setor “Meio Ambiente” da Agência
10envolvimento - Barreiras
– BA